Ser bonzinho é o que todos os pais querem que seus filhos sejam. O que os pais não sabem é que, ao exigir isso deles, podem estar impedindo que eles sejam reais – e eles podem sofrer com isso em vários aspectos de suas vidas.
Quantos de nós já não ouvimos: “Como Fulano é bonzinho”; “Como Sicrana é boazinha”; “Meu filho é tão bonzinho, mas minha filha é terrível”; “Que menino bonzinho você foi hoje” etc. Nesse momento pode-se estar atraindo a criança para a escravidão, para agradar as pessoas. Com isso ela paga um preço alto para sobreviver, carregando um peso muito grande nos ombros por não poder se exprimir espontaneamente.
Quantas vezes, ao longo de minha infância, ouvi minha mãe dizer que eu era uma menina boazinha, que não dava trabalho, que estudava apesar de falar muito. Não era melhor na escola porque era dispersa, mas isso não era importante, porque eu era boazinha.
Passei anos querendo agradar as pessoas ao invés de querer agradar, em primeiro lugar, a única pessoa a quem eu deveria agradar: a mim mesma. Era um conflito muito intenso, porque eu nunca agradava as pessoas e, por mais que tentasse, elas não gostavam de mim. Eu não entendia o porquê e ficava cada dia mais angustiada.
Aprendi que durante anos de minha vida paguei um preço alto por ser boazinha, deixando de ser eu mesma.
Depois de adulta fui buscar as respostas e, depois de estudar e buscar o autoconhecimento, fui me libertando dessas amarras, o que foi um grande alívio.
Adiante podemos ver os custos pagos tanto pelos bonzinhos quanto por todos ao seu redor:
- Ser bonzinho nos impede de dar feedbacks verdadeiros, de compreendermos a nós mesmos e aos outros;
- Ser bonzinho nos bloqueia de crescer, porque não nos expomos aos riscos de receber e dar feedbacks. Esta foi a situação mais difícil de eu superar: o risco da exposição;
- Ser bonzinho limita a intensidade de nosso relacionamento, porque tentamos ao máximo evitar conflitos ou discussões e, em um relacionamento verdadeiro, nem sempre tudo são flores; discussões e conflitos existem por sermos e pensarmos de maneiras diferentes;
- Ser bonzinho é ficar quietinho mesmo com uma tremenda vontade de ir ao banheiro;
- O bonzinho guarda a raiva até não poder mais; quando explode, sai de qualquer jeito e ele perde a razão ou, ao contrário, se fecha e desenvolve doenças psicossomáticas, como artrites, úlceras, dores nas costas e doenças cardíacas. Levei anos de minha vida com uma gastrite que não melhorava. Tomava remédios todos os dias, até que olhei para dentro de mim, mudei e nunca mais tomei medicamentos.
Você pode discordar de mim dizendo que é importante satisfazer os desejos dos outros, caso contrário, estarei sendo egoísta. Sim, claro, mas existe uma diferença entre ser bonzinho e ter respeito, compreender e atender às necessidades dos outros.
Ser bonzinho é agradar ou impressionar os outros e isto está de acordo com a moralidade convencional, conforme fomos orientados para ser um menino ou menina bonzinho. Já ter respeito, compreender e atender às necessidades dos outros é algo que aprendemos depois de adultos – embora nem todo mundo aprenda.
É importante ensinarmos às crianças a serem atenciosas com os outros; com isso elas aprenderão a ser mais compreensivas e a sentir compaixão, e não apenas a ser boazinhas. Nesse sentido está-se buscando a autonomia e não a obediência. Quando buscamos a obediência podemos colocar tudo a perder, porque quando somos obedientes podemos ter recompensas, caso contrário virão os castigos e com isso deixamos de desenvolver a autonomia.
Adiante segue um trecho do livro Punidos pelas recompensas, de Alfie Kohn, para um melhor entendimento.
A autonomia não é apenas um valor dentre muitos que as crianças devem adquirir, nem apenas uma técnica para ajudá-las a crescer. No fim, nenhuma das virtudes, incluindo generosidade e atenção, podem ser promovidas na falta de opção. A seguinte declaração, feita por um homem cujo nome é (ou deveria ser) familiar para muitos de nós, serviu como lembrete do fato: ele recordou ter aprendido que o dever maior era ajudar os necessitados, mas aprendeu isso no contexto da importância de “obedecer prontamente aos desejos e comandos de meus pais, professores, padres e de todos os adultos… Tudo que eles dissessem estava sempre certo”.
Quem disse isso foi Rudolf Hess, o comandante de Auschwitz, campo de concentração alemão. Valores pró-sociais são importantes, mas se o ambiente em forem ensinados enfatiza a obediência (ser bonzinho porque o professor o recompensará; caso contrário, o castigará) em vez da autonomia, tudo pode se perder.
E para completar o trecho acima, Jean Piaget, em um de seus livros, diz que “A punição […] torna impossível a autonomia da consciência”. (BRYSON, 2009, p. 27).
Então, sempre que se sentir tentado a ser bonzinho, observe apenas os fatos, perceba seus sentimentos e os do outro, identifique suas necessidades/valores e veja como pode sentir compaixão por si mesmo e pelo outro. Assim poderá ser mais autoempático e também empático com o outro.
A CNV – Comunicação Não Violenta nos ajuda a mudar nossa perspectiva de como nos relacionar com nós mesmos e com os outros, transformando nossas relações intra e interpessoais com mais sintonia e conexão.